terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Executiva bem sucedida...

Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu  uma pontada no peito,  vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Quando voltou  a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.

Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:

 - Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
 
 - No céu.

 - No céu?...

 - É.

 - Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do  gênero?

 - Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.

 Apesar das óbvias evidências nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular, a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
 
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.
 

E foi aí que o interlocutor sugeriu: 

 - Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.

 - É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?

 - Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.

 - Assim? (...)

 - Pois não?

  A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.

  Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:

 - Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...

 - Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?

 - Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?

  - Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

  Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição  hierárquica, por assim  dizer, celestial ali na organização.

 - Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.

 - É mesmo?

  - Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?

 - Ah, não sabemos.

- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.

 - Que interessante...

 - É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.

 - !!!...???...!!!...???...!!!

 - Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?

 - Sobre todas as coisas.

 - Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece  extremamente atrativo.

 - Incrível!

 - É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho
 certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um Turnaround radical.

 - Impressionante!

 - Isso significa que podemos partir para a implementação?

 - Não. Significa que você terá um futuro brilhante...
se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...
 

 Max Gehringer

 (Revista Exame)  

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